domingo, 11 de outubro de 2009

SABEDORIA DIVINA: CAMINHO PARA A FELICIDADE E REALIZAÇÃO PLENA DO SER HUMANO

Caros leitores:

Neste dia 11 de outubro, domingo, gostaria de partilhar uma pequena reflexão sobre a primeira leitura da Palavra de Deus indicada para este 28º Domingo do Tempo Comum (B). Trata-se da leitura do livro da Sabedoria 7,7-11.

Não pretendo aqui elaborar uma exposição exegética desta passagem da Sagrada Escritura, mas apenas torná-la presente na realidade de nossas vidas e de nossa história. Mesmo assim, alguns apontamentos se fazem necessários, mesmo que não aprofundados.

Antes de tudo, é necessário transcrever o texto para facilitar ao leitor acompanhar esta reflexão:

Orei, e foi-me dada a prudência;
supliquei, e veio a mim o espírito da sabedoria.
Preferi a Sabedoria aos cetros e tronos
e em comparação com ela, julguei sem valor a riqueza;
a ela não igualei nenhuma pedra preciosa,
pois, a seu lado, todo o ouro do mundo
é um punhado de areia
e diante dela, a prata, será como a lama.
Amei-a mais que a saúde e a beleza,
e quis possuí-la mais que a luz,
pois o esplendor que dela irradia não se apaga.
Todos os bens me vieram com ela,
pois uma riqueza incalculável está em suas mãos
". (cf. Lecionário Dominical, XXVIII Dom. T.C. - B)

Creio que agora seja preciso localizar o texto no tempo. O livro teve origem no século I a.C., portanto bem perto da época de Jesus. Em ordem cronológica, é o último livro veterotestamentário, embora não esteja diretamente precedendo os escritos neotestamentários em sua disposição na Sagrada Escritura. Mais precisamente, o livro inspirado teria sido escrito em meados do século I por um autor judeu oriundo da Alexandria. O título “Sabedoria de Salomão” foi colocado de modo fictício e, este livro que tem características próprias dos textos sapienciais, acabou sendo atribuído àquele que teria sido um dos maiores sábios de Israel.

A intenção do autor de Sabedoria é reforçar e reafirmar a fé e a esperança do povo, pois estavam muito vulneráveis a influências da cultura grega e suas filosofias, de cultos pagãos, hostilidades, perseguições. A fé, a cultura ou, em outras palavras, a identidade do povo judaico, no Egito, podiam facilmente se perder. Muitos dos que perseveravam em sua fé e cultura eram destinados à marginalização, tamanha era a injustiça sofrida pelo povo neste período.

Por isso a necessidade de reorientar o pensamento do povo para a experiência de seus antepassados, lembrando sua história e religião. Ensina novamente o povo a buscar a verdadeira sabedoria, caminho que conduz à vida, à felicidade e à busca de instaurar a justiça.


Esta sabedoria, no entanto, não é apenas um pensamento humano, como eram e são todas as filosofias. Vale relembrar que era intensa entre eles a influência da cultura Alexandrina. O autor enfatiza ao povo que esta sabedoria, de que ele fala, vem de Deus. É uma sabedoria diferente das muitas formas de pensamento que rodeavam o povo, pois estas conduziam à idolatria e aos caminhos da injustiça e impiedade. É o que acontecia com muitos que buscavam riquezas, posses, poder, prestígio. Queriam encontrar a felicidade, mas trilhavam por um caminho de injustiça e sofrimento, além de desprender-se de suas raízes.

A sabedoria divina seria, então, um elemento indispensável para guiar os rumos da história do Povo de Deus, chamado a um horizonte de felicidade, bem diferente da tendência da época. Ela, a sabedoria, não é fruto de um esforço meramente humano. Ela é dom de Deus concedido a seus filhos gratuitamente. Ela é a justiça de Deus, é o que orienta o povo, é o que traz a libertação.

Muito bem pensada é a indicação da primeira leitura para a liturgia deste 28º Domingo do Tempo Comum. Em Salomão é personificada a pessoa do sábio, capaz de renunciar o poder, as riquezas, a exagerada preocupação estética, a injustiça. Ele sabe muito bem qual é o valor ou a importância da sabedoria. Tem plena consciência de que precisa dela, para governar com justiça e ser fiel a Deus.

Neste ponto, inevitavelmente, acabamos colocando nossas vidas diante da Palavra de Deus. Mas em que sentido? Basta que tenhamos presente uma tendência “natural” de nossa realidade humana. Vivemos a procura da felicidade. Quem nunca se perguntou acerca de sua felicidade: sou realmente feliz? Sinto-me uma pessoa realizada? Atingi o objetivo de minha vida? E as questões não param por ai: onde está a felicidade? Em que ela consiste? Onde encontrá-la? Como faço para obtê-la? Respostas não faltam. Pensando bem, recebemos uma verdadeira “overdose” de respostas que, sem que o percebamos, nos vai levando paulatinamente a um vazio existencial. Vivemos muitas vezes sob a sensação de ter encontrado a felicidade ou realização pessoal. Estamos tão cheios de tantas futilidades que, quando caímos em si, nos deparamos como que subitamente com o nada. Não que este seja o único fator causal, mas pensemos nas pessoas acometidas pela “depressão”. Parece que depois daquilo, não existe nada. Tem a impressão de que a vida terminou, que não tem mais jeito. É como se estivesse a um passo diante de um abismo cuja profundidade é imensurável.

Caros leitores, e agora? Que resposta oferecer para alguém que passou a vida buscando sua felicidade e realização e, depois de ter vivido tão cheia de “coisas”, chegou ao vazio existencial? Que grande exortação a Palavra de Deus, através do livro da Sabedoria, nos apresenta. Será que nós, cada um de nós, não estamos buscando nossa realização nas posses, no poder, nas riquezas, no cuidado exagerado com a estética (vaidade), nos postos de prestígio, no consumo de tantos produtos fúteis ou desnecessários para nossa sobrevivência digna? Considere-se ainda que trilhar este caminho é muito mais fácil e, diríamos em nossos dias, quase que “natural”, uma vez que vivemos sob o impulso do consumismo imposto pelo sistema econômico capitalista. Este, tal como se apresenta atualmente, é, na atualidade, o representante mais fiel da razão pela qual o livro da Sabedoria foi escrito: a injustiça contra o povo, a ilusão da busca das riquezas, posses, a perda de seus referenciais culturais e religiosos, dentre outros fatores. Em outras palavras, como o povo lá do Antigo Testamento, perdemos nossa identidade mais genuína ou profunda e aderimos a um sistema político e econômico capitalista e consumista, que nos seduz com a ilusão de felicidade e realização completa através do ter e do poder. Quase sem perceber, somos envolvidos por uma cultura imposta, cujos valores são tão vazios e opacos que temos a sensação de ser o centro das atenções. Não percebemos que abandonamos nosso valor e dignidade de filhos de Deus e nos tornamos servos (escravos) daquilo que, na verdade, é o valor desta cultura: o consumo, o lucro, o dinheiro, o poder... todas realidades que parecem ser mais importantes que qualquer ser humano. Qual o resultado? Sentimos-nos pequenos, vazios, impotentes e, se um dia não podermos acompanhar a lógica do consumo capitalista, seremos (como muitos hoje já são) descartados e condenados à marginalização.

Salomão, para exercer o seu governo, pede a Deus não posses, riquezas, exércitos ou prestígio. Pede apenas a sabedoria divina, e sabe que ela lhe basta. Ora, um rei, para bem governar com estabilidade e segurança, naturalmente tende a buscar poder, prestígio, riquezas, exércitos e armas de grande eficiência bélica. Mas, no caso descrito em Sb 7,7-11, o rei parece ter uma visão de governo bem diferente. Surpreende seu pedido, talvez incompreensível à lógica com a qual estamos acostumados. Ele escolhe e pede apenas a sabedoria: “Preferi a Sabedoria aos cetros e tronos e em comparação com ela, julguei sem valor a riqueza”.

Deus concedeu ao rei o que ele pediu. Porém, deu-lhe mais que isso. Ele recebe também do seu Senhor riqueza. Esta lhe vem por acréscimo. Está pronto para governar e administrar os dons ou bens que de Deus recebeu com sabedoria. Tem plena consciência de que, munido da sabedoria que do Senhor procede, poderá ser justo no governo e levar o povo para a verdadeira felicidade de filhos e filhas de Deus, livres, fiéis, realizados. Somente a sabedoria indica o caminho para este ideal de vida e é capaz de conservá-lo. Na verdade, a sabedoria consiste no discernimento e na busca da vontade divina, que de modo algum é escravidão, dor, tristeza, ou qualquer outra realidade que ocupa o lugar que a Deus pertence no coração humano. Em outras palavras, a sabedoria leva o povo a não cometer o equívoco ou pecado da idolatria, que desvia o povo do caminho da verdade, da liberdade, da justiça e da paz.

Note, caro leitor, que Salomão, considerado por Israel modelo de pessoa sábia, soube considerar relativas as realidades mundanas e colocar a Deus como absoluto de sua existência. Embora sejam necessárias para a sobrevivência enquanto peregrinos neste mundo, não são a razão de nossa existência nem podem ser hierarquicamente colocadas acima de Deus. O problema não é o que possuímos, mas o que fazemos com o que temos ou que tipo de relação construímos com tais realidades. É lamentável quando até mesmo algumas igrejas cristãs não compreendem esta realidade e pregam a chamada “teologia da prosperidade”. O grande objetivo é ter prosperidade material, ou seja, posses, riquezas, estabilidade... tudo como indicativo da bênção divina. Muitas pessoas acorrem a tais religiões como quem vai ao encontro da solução para seus problemas econômicos. Não vão propriamente à busca de um encontro profundo e verdadeiro com Deus, mas procuram a prosperidade material que “Deus pode dar” para quem está ali presente. Facilmente os meios são trocados pelos fins. Deus é tornado um instrumento ou meio para “ficar rico”. Não deveria ser o contrário? Será que as riquezas ou bens que possuímos não deveriam ser administrados de modo que se tornassem um caminho para o Reino de Deus e não o contrário? Em outras palavras, quem assim procede, não estaria colocando as posses, os bens, o dinheiro, o poder e tudo mais acima de Deus? O mais grave nisso, é que Deus torna-se mero “funcionário” que deve trabalhar (agir) para que nos enriqueçamos. Esta lógica, seguramente, não corresponde ao ideal apresentado no livro da Sabedoria.


Por outro lado, não podemos ser tão fundamentalistas. Claro que nós seres humanos necessitamos das realidades materiais para sobreviver enquanto não terminamos a vida aqui na terra. Possuímos um corpo material, que tem necessidades materiais: alimentação, saúde, educação, moradia, trabalho, dentre outros. Caso não tenhamos acesso a estes itens para a manutenção da vida, então seremos condenados à miséria e a morte, com muitos filhos de Deus de fato o são, porque vítimas das injustiças sociais. É justamente aqui que nossa consciência se elucida a ponto de descobrirmos que os bens que possuímos são dons para a vida de todos e ninguém tem o direito de tomar tudo para si daquilo que Deus criou para a vida de todos. Ou seja, os bens ou riquezas que temos devem ser administrados para criar um mundo mais conforme o Reino de Deus, compreendido já aqui, no hoje de nossa história, em vista do Reino definitivo. Por isso, o convite da Palavra de Deus neste 28º Domingo do Tempo Comum é para que supliquemos a Deus que nos conceda sua sabedoria para que “usemos de tal modo os bens que passam, que possamos abraçar os que não passam”. Precisamos perceber que chegou o momento de administrar os bens com sabedoria, promovendo o amor fraterno e caridoso, a liberdade, a justiça e a paz. Onde a vida e os bens da criação, que o Criador entregou em nossas mãos, são cuidados sabiamente, aí existe verdadeira felicidade e as pessoas se sentem muito mais realizadas, pois, mesmo que os bens ou riquezas passem, a razão de nossa existência permanece: Deus, o eterno, que nos chama a participar da vida eterna e de sua divindade. Neste caso, caros leitores, se tivermos a Deus acima de tudo e de todos, nunca há de nos ocorrer que um dia nos deparemos com o nada, com aquele abismo tão profundo e vazio. Isso nunca! Nos encontraremos sim com o Deus da vida e conosco mesmos, pois é Naquele que nos criou com e por amor que encontramos também nossa própria plenitude.

Enfim, amados irmãos, deixemo-nos transformar, alimentar e orientar pela Palavra de Deus. Esta passagem do Antigo Testamento merece ser lida, relida, meditada e presente em nossas orações sempre. Orações ou súplicas pedindo a Deus que nos conceda tal sabedoria como dom. Dessa forma, certamente em nossas famílias, em nossas comunidades eclesiais, em nosso trabalho e na sociedade em geral iremos enxergar um horizonte concreto de verdadeira felicidade, pois onde existe justiça, existe paz e gente feliz.

Que o Senhor Deus da vida derrame sobre todos vós as suas bênçãos!

Padre Marcos Radaelli

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