terça-feira, 25 de agosto de 2009

CHAMADOS À VIDA CONSAGRADA

Prezados leitores :
Nestes dias do mês de agosto, a Igreja nos convida a lançar um olhar todo especial para a vocação à vida religiosa ou consagrada. É uma vocação muito importante para a missão da Igreja e nela está presente desde o início do cristianismo, em constante evolução.
Antes de tudo é preciso ter presente, como em todas as outras vocações, que Cristo chamou a todos para o seu seguimento, e isso sem fazer discriminações. Mas, sempre há uma exigência: assumir verdadeiramente um compromisso. Somente assim o seguimento de Jesus é possível. Suas palavras são muito precisas a este respeito: “Quem não toma sua cruz e não vem depois de mim, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,27). Aqui emerge para o discípulo a consciência de que exigência significa, consequentemente, renúncia (Lc 14,33), despojamento (Mt 19,21), total dedicação (Mt 19,12).
As formas de vida consagrada surgidas na história da Igreja vão aos poucos se aprofundando e dando consistência ao propósito de assumir uma vida de amor a Deus e ao próximo, conforme a proposta do próprio Cristo. A idéia foi quase que imediatamente assimilada pelos discípulos, que perceberam ai um caminho oportuno de total consagração ao seu Senhor. Entenderam também que consagração significa reservar-se (“separar”) para algo muito específico. Não significa propriamente deixar de estar no mundo, mas uma maneira diferente de ser e estar no mundo. Claro que isto indica uma missão específica, com natureza própria, em função de algo, pois uma consagração só tem sentido deste modo. Não é uma opção orientada apenas para si mesmo, mas, como verdadeira expressão testemunhal do amor de Deus, abre-se para o serviço do povo. Caso contrário a consagração não teria razão de ser. É chamado de Deus, que sempre tem como objetivo uma missão a cumprir. Claro que da resposta ao chamado de Deus à vida consagrada depende a auto-realização da pessoa. Mas consagrar-se somente tendo em vista a auto-realização não corresponde a um verdadeiro chamado divino, pois este, além de trazer felicidade ao que foi chamado, o orienta para uma missão específica.
Em todos os casos, a consagração significa uma dedicação ou entrega total a Deus. O decreto conciliar “Perfectae Caritatis”, sobre a adequada renovação da vida religiosa, já reafirmava esta dimensão da consagração: “Os membros de todo e qualquer Instituto lembrem-se principalmente que responderam à vocação divina pela profissão dos conselhos evangélicos, não para morrerem para o pecado (cf. Rm 6,11), mas também para, renunciando ao mundo, viverem exclusivamente para Deus”. E ainda salienta a dimensão do serviço que lhe é intrínseca nesta consagração total a Deus: “Toda a vida puseram ao seu serviço, o que constitui uma consagração especial, que se radica intimamente na consagração do batismo e a exprime mais perfeitamente. Tendo, porém, sido aceita pela Igreja esta doação de si mesmos, considerem-se também como adstritos ao seu serviço” (PC 5).
Note-se o fato de que a consagração e o serviço a que se destina a consagração religiosa, tem uma relação inerente com o sacramento do Batismo. Aliás, é uma maneira de assumir e viver radicalmente a vocação deste sacramento. O apóstolo São Paulo expressou esta realidade quando escreveu ao romanos: “Pelo batismo somos sepultados com ele na morte, para que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos, por meio da glória do Pai, assim também nós possamos caminhar numa vida nova” (Rm 6,4). Neste pequeno versículo, São Paulo recorda aos romanos que Jesus não morreu por qualquer motivo ou sem motivo. Também sua morte não foi natural. Ele foi morto, vítima de uma conjuntura que não admitia sua proposta, a proposta do Reino de Deus. Uma sociedade maculada por um sistema injusto e mortal não abria espaço para o anúncio de Jesus Cristo, por isso ele era considerado digno de ser eliminado, e de fato o foi. Sua morte e sua rejeição são o sinal mais eloqüente do pecado do mundo. O pecado matou Jesus, mas esta já era sua condenação, pois Deus o ressuscitou dentre os mortos. Ressurgido para sempre, Jesus é a expressão máxima da vida que de Deus procede, condenando a sociedade injusta e homicida. Mas a intenção do apóstolo aqui é lembrar aos que escreve que a fé assumida no batismo deve ser vivida e professada na clara consciência de que os cristão participam da páscoa de Cristo. Sua morte e ressurreição é também a morte e ressurreição do povo. É um momento decisivo de transformação, de renovação, que faz surgir um mundo novo, um ser humano novo. Assumir a fé batismal é saber-se uma nova criatura em Jesus Cristo, decidida e forte o suficiente para renunciar o pecado, pessoal e social, lutando contra tudo o que gera no mundo injustiça, morte e desrespeito para com a vida. Com Ele o ser humano ressuscitou, mas também assumiu o compromisso de fazer do mundo algo mais conforme o Reino de Deus, verdadeiramente novo, cujas estruturas, acima de tudo, sejam marcadas por uma cultura de vida, onde realmente haja verdadeira paz, pois ali existe justiça. Este é o gesto radical de quem rompe com quaisquer estruturas de pecado e morte, e abraça o propósito de ser no mundo a presença do Ressuscitado.
Os consagrados, antes de tudo como fruto da consagração batismal, sentem-se chamados por Deus a uma vida que realize esta dimensão pascal da fé cristã no mais radical de suas vidas. Na vida religiosa, estes cristão, mulheres e homens, fazem isto através de três votos, que os levarão a uma vida de maior conformidade com uma humanidade renovada no mistério pascal de Cristo. Estes votos são: castidade, pobreza e obediência. É o que assumem aqueles que tem em si a nobre audácia de ser um sinal de contradição ao romper com um mundo que propõe prazer, posses, e poder. Para muitos isso é uma loucura, algo impossível, inadequado para um mondo moderno e marcado por tantos avanços na ciência e na tecnologia. Mas a questão não gira em torno disto. Significa a ruptura com um sistema, inegavelmente presente e gerador de pecado e morte de muitos filhos de Deus. Em sinal de solidariedade e serviço a estes, os consagrados tem a força de assumir aquilo que, para o um mundo assim orientado, representa apenas loucura. Sem significado para estruturas de pecado e morte, tornam-se sinais concretos para aqueles que são tratados como insignificantes, sobretudo os mais pobres, marginalizados ou excluídos.
Diante de uma cultura moderna e hedonista, onde a busca do prazer sem finalidade concreta e definida parece ser um valor supremo, os consagrados assumem uma vida de castidade, para que sua dedicação total aos mais necessitados seja realmente integral e fecunda. A castidade por si mesma não tem sentido, pois é vivida tendo como referencial maior o amor de Deus, que não se esgota num único ser humano, mas torna este apto a expressá-lo de maneira mais radical. Este estado de vida tem, portanto, uma razão de ser: é “por amor do Reino dos Céus” (Mt 19,12). A pessoa que a assume conscientemente torna seu coração totalmente livre, descomprometido para poder comprometer-se com uma causa maior. Ela intensifica a caridade no serviço a Deus e ao povo e expressa uma confiança muito segura no Senhor e em sua providência. A pessoa bem integrada e madura afetivamente é capaz de assumir a vida em castidade sem que isto lhe seja prejudicial ou não conturbe seus relacionamentos inter-pessoais. Isto só é possível também porque o consagrado percebe que, além de ser preparado afetivamente para assumir a castidade em seu novo estado de vida, ela tem um sentido que transcende sua própria apresentação exterior ou disciplinar. Há aí um valor espiritual vivido comunitariamente entre aqueles que levam a termo as relações fraternas, seja nas comunidades religiosas ou na comunidade eclesial amplamente considerada. Note-se aqui que maturidade psicológica e afetiva não podem ser tratadas sem levar em conta que a espiritualidade lhe é complementar. Ser humano (afetivo) e espiritualidade são realidades intimamente relacionadas. Não é possível tratá-las isoladamente, mas sempre há de se considerar sua complementaridade e integração na pessoa. Somente assim, o voto de castidade pode concorrer para o bem da pessoa e serviço ao Reino de Deus. Infelizmente a imagem veiculada pela mídia, sobretudo através das telenovelas, é a de que os religiosos e religiosas são pessoas incertas, sempre em crise, atrapalhadas, esquisitas, frágeis às paixões, sempre abaladas em relação à sexualidade. Claro que não é possível generalizar, mas esta imagem não reflete a realidade. É preciso considerar cada pessoa individualmente em sua opção para que seja levada a um discernimento sério de sua opção. A maior parte a vive com alegria e fidelidade, no amor e na fraternidade, ao contrário do perfil exibido nos meios de comunicação social. Isto talvez por ignorar os fundamentos da castidade e da vida consagrada, mas certamente mais por representarem uma cultura hedonista que não quer acreditar numa vida assim possível.
O segundo voto é o da pobreza, em contraste com uma cultura consumista que sempre mais incentiva o ter, as posses como meios para a “verdadeira” felicidade. Por outro lado, há de se levar em conta que um mundo assim estruturado não permite que todos vivam dignamente. Os contastes sociais são ainda muito salientes e a injustiça parece tomar proporções muito acentuadas. Não é possível viver radicalmente o propósito de seguir a Jesus Cristo e ser omissos ou coniventes com tanta injustiça e miséria, que condena muitos à exclusão de uma vida digna que lhes permita ser verdadeiramente filhos de Deus. A pobreza assumida voluntariamente pelos religiosos é um sinal profético de fidelidade ao Senhor e compromisso com a causa do Reino. Com este voto, comungam da pobreza de Cristo que, sendo rico, despojou-se de tudo para que nós fossemos promovidos com seu despojamento (cf. 2Cor 8,9; Mt 8,20). Mais uma vez emerge aqui a dimensão pascal da vida religiosa, pois a opção pela pobreza leva os consagrados, a exemplo de Cristo, a um despojamento de tudo para que todos sejam promovidos. É, como o próprio Senhor, esvaziar-se e entregar-se pela vida do mundo, fazendo a mesma coisa que ele fez. Esta pobreza precisa ser real e expressar-se no despojamento material e na simplicidade espiritual, para que os pobres, por esta maneira de ser, sejam ajudados no sustento, não só material mas também espiritual. A solicitude com os mais necessitados, deve expressar-se através da partilha fraterna, testemunhada e incentivada pelos religiosos diante da sociedade, seja dentro da própria Igreja ou em relação àqueles que sofrem grandes privações. Sabem os consagrados que, aprendendo a viver assim, não lhes falta o necessário para suprir suas necessidades básicas. Dão, dessa forma, exemplo daquilo a que a sociedade é chamada: partilhar fraternalmente todos os bens espirituais, culturais e materiais. Os jovens chamados à vida religiosa, assimilando os valores do Reino proclamados por Jesus Cristo, vão se capacitando para viver com simplicidade e pobreza para bem desenvolverem a missão que o Senhor lhe confia. Diante de inúmeras propostas de sucesso material, de posses, os vocacionados são desafiados a ser no mundo uma verdadeira contradição, e mostrar que o caminho, que é o próprio Cristo, é fonte de verdade e vida para todos que se propõe seguí-lo. Mostram, assim, ao mundo um outro conceito de felicidade possível, real, justo e fraterno.
Os consagrados também fazem voto de obediência. Mas uma vez, tornam-se sinal de contradição diante de uma cultura também marcada pela busca e pela ilusão do poder. Muitos homens e mulheres de nosso tempo acreditam que a felicidade verdadeira só é possível quando se detém o poder sobre os outros seres humanos, sobre a natureza, sobre a sociedade, enfim, sobre tudo. É a tentação se ser senhores, de dominar, que garantir seus interesses e nada além disso. Neste mundo, só tem oportunidades os que tem poder, e aos outros só resta serem dominados e lutar pela própria sobrevivência. Novamente surge o problema da exclusão, pois muitos são os considerados descartáveis, seja porque não se modelam à cultura da dominação ou porque representam uma ameaça à mesma. Novamente depara-se aqui com um contar-valor em relação ao Reino de Deus. Nele há oportunidade para todos, há justiça, há participação, existe verdadeira comunhão e o amor fraterno circula mais livremente. Cristo venceu o poder da morte e do pecado e disto os consagrados tornam-se sinais no mundo. A Deus oferecem como que em sacrifício a própria vontade, sintonizando-se mais estreitamente ao desígnio salvífico de Deus, na busca de em tudo cumprir a vontade do Senhor, não a própria. Tomam como exemplo o próprio Filho, que veio para em tudo fazer a vontade do Pai, como servo de toda humanidade, para que fosse salva. É neste sentido, de sujeição à vontade de Deus, que os religiosos devem sujeitar-se aos seus legítimos superiores. Precisa reconhecer neles a presença de Deus que lhes confia uma missão especial. Esta obediência torna fecundo o apostolado e contribui para que o Reino seja vivido, a partir da própria Igreja, numa estrutura marcada pela comunhão e participação, buscando todos a fiel observância, em tudo, da vontade de Deus. Como o Cristo, que foi obediente ao Pai servindo seus irmãos, também os consagrados alegremente assumem o serviço aos que mais necessitam, levando adiante a própria missão da Igreja, de evangelizar os pobres, anunciando um tempo novo, de graça e paz. Usando obedientemente os dons que de Deus receberam, contribuem para a edificação do Corpo de Cristo, sem buscar o poder, mas fazendo total uso da liberdade, com a qual foram dotados desde o início pelo Criador. Aliás, a obediência não anula, mas leva a termo a liberdade do ser humano, pois somente levando isto em conta é que alguém pode fazer voto de obediência. Nunca poderá fazê-lo validamente por coação ou como fuga do mundo. Quem professa obediência, na verdade assume uma grande autoridade. Não uma autoridade conceituada segundo os moldes do mundo atual, mas de acordo com o modelo vivido por Cristo e expresso nos Evangelhos: o serviço. Este é autêntica expressão vivencial da caridade fraterna, dentro ou fora da comunidade religiosa, que faz exercer a verdadeira autoridade.
Dessa forma, prezados leitores, fazendo opção por um carisma proposto pela congregação ou instituto religioso, os consagrados professam solenemente o desejo de, vivendo a castidade, a pobreza e a obediência, viver a fé como seguidores de Jesus pelas estradas do mundo. Anunciando o Reino de Deus e testemunhando uma vida em comum como algo possível, mesmo se a cultura tente formar um ser humano individualista, exprimem pelo próprio estado de vida o verdadeiro sentido da vida humana, tal como revelado pelo Cristo. Mas também mostra que o fim último da existência humana está no Criador mesmo.
Por isso, neste mês vocacional, precisamos salientar em todas as comunidades a importância da vida consagrada para a Igreja, de modo a despertar no coração de nossos jovens, homens e mulheres, o desejo de consagrar-se à Deus dessa forma. É preciso que os jovens, presentes sobretudo na catequese e na vida paroquial, sejam educados de modo a habilitarem-se para uma discernimento seguro que os faça sentir mais claramente o chamado de Deus. Com o apoio dos fiéis, precisam ser amparados e apoiados quando manifestarem esta vocação, de modo que, bem orientados, sejam encorajados a assumi-la. Para tal, a própria comunidade precisa estar preparada para encaminhar os vocacionados, dando-lhes a conhecer o grande número de possibilidades, que deriva da grande diversidade de carismas assumidos pelas inúmeras congregações. Algumas para religiosas, outras para religiosos, outras ainda para religiosos sacerdotes ou para a vida contemplativa. Todas são formas válidas, eficazes e autênticas de concretizar a vida cristã, assumindo radicalmente a fé batismal.
Enfim, nesta terceira semana do mês de agosto temos uma dupla tarefa. A primeira é elevar ao Senhor nosso sentimento de ação de graças por todos os religiosos, homens e mulheres, espalhados pelo mundo inteiro, levando esperança e animo a tantos irmãos que necessitam. A eles também agradeçamos pela doação de vida e roguemos ao Senhor que os ilumine e conserve sempre fiéis na missão. Neste agradecimento vale lembrar as palavras do Papa Bento XVI na abertura da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe: “A Igreja da América Latina vos agradece pelo grande trabalho que vindes realizando ao longo dos séculos pelo Evangelho de Cristo a favor de vossos irmãos, principalmente pelos mais pobres e marginalizados. Convido a todos para que colaborem sempre com os bispos, trabalhando unidos a eles, que são os responsáveis pela pastoral. Exorto-vos também a uma obediência sincera à autoridade da Igreja. Não tenham outro ideal que não seja a santidade conforme os ensinamentos de vossos fundadores” (DI 5). Já a segunda tarefa é assumir o propósito de, continuamente, rezar pelas vocações à vida consagrada, empenhando-se, também, de verdade na promoção das mesmas, auxiliando todos os que se sentem vocacionados para este estado de vida. Que os nossos jovens sejam cada vez mais atrevidos e corajosos pra assumirem no mundo um estado de vida, muitas vezes ignorado, mas nem por isso menos importante. Saibam que esta importância deriva do fato de que o Evangelho é sempre Boa Nova, em todos os tempos, em todos os lugares. É sempre uma palavra necessária, adequada, atual, geradora e criadora de vida. Amado jovem, Cristo te chama, o mundo Dele necessita. Resta-te apenas um sim generoso ao Senhor. Qual será a sua resposta? Prezados jovens, não tenham dúvida: Cristo te quer! Ele precisa de você! Ele conta com você! Não tenham medo de atender seu apelo!
Que o Senhor da messe e Pastor do rebanho vos abençoe!
Padre Marcos Radaelli

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